Adamastor é um gigante mitológico, cuja história contém acontecimentos que se contradizem uns aos outros. Segundo algumas fontes, ele seria mesmo um titã e não um gigante. Não há portanto uma única história, mas sim várias versões da mesma, sempre diferentes umas das outras e, por vezes, nem sequer fazem muito sentido. Optámos pela que nos pareceu mais completa e   mais coerente. Mas, para a compreendermos teremos que começar pelo princípio de toda a história mitológica.

    Um dia, do nada, apareceu Geia (a Terra), que gerou um filho: Úrano (o Céu) e uniu-se com ele formando o primeiro casal divino. Dessa união resultaram seis filhas __ as titânides: Teia, Témis, Mnemósime, Febe, Reia e Téthis, e seis filhos __ os titãs: Oceano, Ceu, Crio, Hiperíon, Jápeto e Crono. Mas Úrano tentou livrar-se deles precipitando-os no Tártaro (a região mais profunda do mundo, abaixo do inferno). Então eles, indignados, revoltaram-se contra o pai, mutilaram-no e o mais jovem dos filhos, Crono, ocupou o lugar de deus dos Céus.

    Crono uniu-se com a sua própria irmã, Reia, e teve muitos filhos, entre os quais se destacaram Posídon, Hades e o mais novo, Zeus. Com medo que o destronassem, como ele fizera com seu pai, resolveu devorá-los. Mas com a ajuda da mãe, Zeus conseguiu escapar, e castigou Crono pela abominável sucessão de infanticídios. Primeiro conseguiu fazê-lo vomitar os irmãos e irmãs e depois, com a ajuda destes últimos e de dois titãs, Mnemósime e Jápeto, iniciou uma guerra contra Crono e restantes tios, que foram derrotados e enclausurados no Tártaro, ficando Zeus o soberano dos Céus.

    Mas esta guerra não acabou ainda aqui. Com o sangue que escorria de uma das feridas do mutilado Úrano, e com a ajuda de Geia, foram criados os gigantes. Entre eles encontravam-se Encélado, Egeu, Centimano (que tinha cem braços) e Adamastor. Colossos de um tamanho imenso, eles possuíam um tronco terminando em cauda de serpente. Extremamente bravos e indomáveis, tentaram subir ao Olimpo, onde se encontrava Zeus e seus irmãos com o intuito de vingar os condenados titãs. Colocaram montanha sobre montanha para conseguir chegar ao topo, convictos da sua invencibilidade, pois apenas podiam ser destruídos por um deus e um mortal agindo juntos. Infelizmente para eles, um oráculo revelou aos deuses este segredo. Então Zeus pediu ajuda a Prometeu, filho de Jápeto, um dos titãs que sobrevivera, pois permanecera do lado de Zeus, e a Héracles (ou Hércules), um mortal fortíssimo, que afastou as montanhas sobrepostas pelos gigantes, fazendo-os cair e ficar esmagados por elas, enquanto Zeus os fulminava. Mas alguns sobreviveram e foram presos nas profundezas da Terra, ou transformados em promontórios, rochas alcantiladas e ilhas.

    Foi o caso do Adamastor. Este não participara propriamente na escalada do Olimpo para destruir Zeus, mas sim na tentativa de conquistar os mares e encontrar Neptuno (deus das águas), aliado de Zeus. Isto porque se apaixonara por Thétis*, uma das nereides filhas de Nereu (deus do mar) e Dóris, esposa de Peleu e rainha do mar. Sendo Adamastor de grande fealdade, não a conseguiu conquistar e resolveu então tomá-la pela força das armas. Dóris avisou a filha do perigo, mas ela recusou-se a amá-lo. Armaram-lhe, então, uma armadilha, dizendo-lhe que Thétis ficaria com ele, se fosse poupada aos males da guerra. Cheio de esperanças, Adamastor pôs fim à guerra e quis encontrar-se com Thétis. Ela apareceu-lhe, mas quando ele a abraçou e beijou, encontrou-se de repente abraçado ao cume de um monte. Profundamente magoado e desgostoso, deambulou pelas terras, à procura de um lugar onde alguém não se risse da sua aparência monstruosa e do seu fracasso amoroso. Nessa altura estavam os seus irmãos a ser derrotados pelos deuses do Olimpo, e apesar de ele não ter intervindo directamente na destruição de Zeus, andando em vez disso perdido a choramingar, também ele foi castigado, sendo convertido num rochedo - o Cabo das Tormentas. Para lhe tornar o castigo mais duro, a sua adorada Thétis vagueava pelo oceano sem que ele lhe pudesse chegar.

    No entanto, apesar de tudo o que lhe aconteceu do ponto de vista amoroso, ainda há referências a filhos seus: Agelau e Aqueménides. O primeiro foi um dos pretendentes a Penélope, após o longo desaparecimento de Ulisses, e acabou por ser morto pelo grande herói da guerra de Tróia. O segundo era companheiro de Ulisses, foi esquecido dentro da Caverna do ciclope Polifemo, mas sobreviveu, pois foi encontrado e tirado de lá por Eneias.

 

   Camões serviu-se desta história mitológica de Adamastor, apresentando-o como o (cabo) gigante que permanecera invicto no seu posto, sem nunca deixar alguém passar além de si, até Bartolomeu Dias o ultrapassar. Quando Vasco da Gama repetiu a proeza, Adamastor não suportou este segundo ultraje, e mostrou-se-lhe, proferindo grandes ameaças para todos os futuros portugueses que o tentassem passar. Mas depois, mostrando o seu lado sentimental e a sempre presente mágoa provocada pelo desgosto que sofrera, desabafou a sua triste história amorosa e a razão de ali estar petrificado. Quando terminou o seu relato, já as naus portuguesas o perdiam de vista, rogando a Deus que as suas profecias não se cumprissem.

    Na realidade tal não aconteceu: a passagem do local onde estaria o Adamastor - o cabo das Tormentas ou da Boa Esperança (novo nome dado por D. João II, logo depois que o cabo foi dobrado) foi, na maioria das vezes, dificultosa para os portugueses. Logo cerca de dois anos depois da viagem de Gama, “Adamastor vingou-se” de Bartolomeu Dias, quando a nau deste, integrada na armada de Pedro Álvares Cabral, naufragou ao pé do Cabo. E muitos naufrágios sofreram as naus portuguesas que seguiam a caminho da Índia, pela rota do Cabo, causando enormes prejuízos a Portugal e levando à decadência do seu império marítimo.


* Não confundir esta Thétis, a nereide, com a titânide Téthis.

 

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